Wednesday, February 1, 2017

Mestre Pegasus - Resgate e Renascimento

Nenhum texto alternativo automático disponível."O Senhor Krishna declarou: 
"Eu venho para a proteção dos bons"
 Paritranaya sadhunam 
Deus sempre protege o virtuoso." Sathya Sai Baba

O resgate do Mestre São Francisco nos lembrou de outro ainda, este de quase dois anos. Mestre Pegasus conta sua história com suas próprias palavras. A cada um deles damos voz!

Para morrer a gente leva tempo, já escutei assim dito. A gente nasce e já começa o processo. Eu devo concordar. Francamente me parece um pouco pessimista, mas tem momento na vida que desejar acordar morto é na verdade um baita otimismo. Por outro lado, a gente também leva tempo para viver, sabe? E para acreditar nisto, meus amigos, é preciso ser mais otimista que nunca. Às vezes, o começo vem só depois de um final que a gente precisa ser muito valente para experienciar. Do contrário, a vida mesma desta forma que te comento, a vida como começo, não chega nunca. Eu pisei na terra dos mortos, vi Hades com meus próprios olhos. E voltei.

Alguns de vocês não percebem isto com clareza, mas é o apego pelos prazeres imediatos que atrasa o caminho espiritual e evolutivo de cada alma. Vocês se rendem à gula, mesmo que isto custe a vida de outros seres sencientes como vocês. Ou à vaidade, quando isto tem preço para cavalos como eu. Tantas vezes fui ornamentado, alimentado, cuidado com intenções outras além das minhas necessidades. Não para que estivesse feliz ou bem, mas para que pudesse ser exibido em prol da aparência de alguém seduzido pela empáfia que jamais admitiria.

A jornada do espírito não dá prazeres imediatos, mas o contentamento dela é duradouro. Já estes prazeres perseguidos expiram no bater de asas dos beija-flores. E mesmo assim, fascinam os espíritos inexperientes das belezas deste mundo. Nesta esfera, a exuberância deve ser contemplada, insubordinada ao “eu”, ao “mim”, ao “meu”. Mas vocês se perdem nas recompensas imediatas, pétalas de rosa de magnífica beleza – ao vento! Na tentativa da posse jamais usufruem. E só é nosso o que podemos usufruir.

A nobreza da minha linhagem é vista no meu porte físico. Ela é capaz de corromper mentes inteligentes e corações passionais para loucuras que o tempo desmerece, por tudo envelhecer e transformar. Minha robustez fez com que homens me desejassem tanto a ponto de criar neles a cegueira pelo que é certo ou errado. Não em um sentido pessoal filosófico sobre o que é bom para alguém e não necessariamente ao outro, mas na faceta mais impessoal e prática do que sustenta ou fere as leis de harmonia e retidão que regem o universo. Estes homens transgrediram estes preceitos.

Há quem diga que eu fui roubado como coisa em um rodeio, outros que apostam que de uma propriedade rural. Eu sei que aquele que era meu “dono”, como vocês acostumam chamar os tutores de nós animais, ele sente muito minha falta. Meu pelo escovado, os pelos das orelhas cortados e a crina aparada, o aparelho atlético, detalhes que revelam zelo. Uma preocupação comigo que no fundo era consigo, para que eu pudesse envaidecê-lo. Tanta precaução supérflua que não notou o golpe, não viu presságio. E se viu, não agiu. Nos perdemos um do outro. Para sempre.

Naqueles dias eu fui grato por uma vida irrelevante, destas que não tem coração. Sem amor verdadeiro. Lembra que te disse sobre ser otimismo querer morrer? Naquela época da vida, em que não se vivia, mas se sabia estar vivo, morrer parecia um privilégio, um sentido. Foi só depois que entendi das mortes necessárias para se viver.

Os homens, sequestradores, me levaram à força de um local para o outro e há dias não comia nem dormia. Andei distâncias certo que caminhava para morrer. Mas a maldita da morte não se rendia e o sofrimento aumentava com a dor nos meus cascos feridos, já sem sapatos, sem ferraduras há quilômetros!

A água se tornou escassa e muitas vezes na estrada eu não enxerguei o caminho. Nestes instantes em que pude sentir o tal do caminho somente baixo os açoites daqueles homens que me guiavam, sem saberem da direção da própria vida deles. Talvez se soubessem do vale das sombras que são conduzidos os espíritos impiedosos, talvez em benefício próprio se refreassem. Mas eu não contava com este luxo da consciência deles. Eram homens inconscientes, subornados pelos deleites de um mundo fugaz.

Desejei morrer, compreendendo meu otimismo. Não seria tão fácil! Quando por fim assimilei que a morte era meu objeto de desejo, me perguntei se de fato havia vivido. Talvez você já tenha francamente pensado sobre isto e operado através do pensamento uma nova consciência em você. Enfim, entre as reflexões que fazia, as chicotadas e a brutalidade de tudo que vivia, aos poucos a vitalidade em mim se esvaia, anunciando meu fim sem respostas, sem conclusões. Deveria existir um Deus comum aos que os homens e os animais rezavam – mas ele poderia me ouvir? E sendo aqueles homens filhos Dele também, seria Ele imparcial, ou imporia algum decreto de “imagem e semelhança” como se nós bichos fossemos escória e merecêssemos o tratamento recebido?

Minha cabeça não tinha mais clareza para saber dos meus próprios pensamentos, quem diria sobre os de Deus. Seguia no impacto do flagelo que àquela altura já tinha evoluído para cacetadas por um segundo homem. Um terceiro dirigia um carro que batia nas minhas pernas. Sinceramente, se assim conduziram o filho de Deus à cruz, o tratamento que me era dado de alguma forma parecia honrado. Ri de mim. Da minha ironia, da minha solidão. Do meu desespero. Da minha fantasia alegórica. Nem eu mesmo ouvia meus pensamentos, a loucura me acenava como antídoto da dor enquanto a morte não anunciava a paz do sono profundo que eu buscava.

Em um surto de delírio, passamos por montanhas verdes que refulgiam na paisagem. Fui suspendido dos meus ossos por breves instantes para apreciar aqueles campos. Tanto apreciei que ainda delirando parei na entrada, bem na porteira daquela casa. O homem que trazia no lombo não economizava no chicote e o que tinha o cassetete tampouco poupava a força do braço. Mas eu nada sentia, já um pouco absorto nas sensações primeiras do desencarne.

Naqueles instantes breves ali encontrei outros cavalos, bonitos como eu, mas com uma disposição primeira que eu já indispunha nesta altura da vida. Nesta altura da morte. Eles sabiam o que se passava comigo e relincharam tão alto, bateram seus cascos com tamanha força no chão, tentando de alguma forma me salvar, me amparar, que uma mulher saiu assustada da casa e ao ver a cena da minha crucificação começou a gritar. Compreendi as emoções dela, a indignação, a vontade de me aliviar e me ajudar, mas nada entendia do dito. E os homens simplesmente calaram para evitar alarde e continuar nosso trajeto, peregrinação rumo à minha morte.    

Se aquelas fossem as últimas imagens da minha vida, talvez tivesse guardado a lembrança que o mundo era bom. Mas a compaixão do divino ainda não cedia ao meu favor. Transtornado e atordoado andava ébrio na estrada de terra, movido por gritos e pancadas que mesmo aos meus agressores jamais desejarei. Sabe por quê? Porque vingança e ódio não curam um mundo carente de amor. É justamente quando vocês não mostram nenhum merecimento de serem amados que mais carecem de amor! Grandes curas acontecem, as do que são amados de fato. Mas a maior sendo a do que poderia odiar. E amou. Talvez ali despertasse Cristo em mim.

Mais à frente na estrada, os vultos pareciam de dois homens e a energia que sentia deles carregava a mensagem de insatisfação sobre a minha condição. Pensei ter chegado às portas do paraíso e me encontrado com os guardiões do céu que por piedade me deixariam passar quando abandonasse esta veste transitória do meu espírito para percorrer as abóbadas celestiais na companhia de cavalos alados. Ainda não! Aqueles homens eram mortais. Minhas respirações eram alentos débeis de vida que revelavam meu fim. O suor excessivo eram banhos de purificação para que eu chegasse aos pés do Pai Criador com ânimo revigorado pela minha viagem. E minha visão já nada decodificava desta esfera. Pela minha boca, secreções líquidas anunciavam que meu tempo era sucinto.

Eu estava demasiado distante desta margem do rio da vida para saber, mas um daqueles homens comandava o que seria o meu retorno da terra dos mortos. Algo entendi quando tomei água depois de Deus sabe quanto tempo e senti que minha alma assentou outra vez debaixo da minha pele, vestindo meu etéreo de corpo.

Neste instante vi com clareza o embate entre o homem e os homens. As forças que regiam as partes eram diferenciadas na sensibilidade do meu estado. Minhas narinas deixavam que o sangue pingasse pelo caminho, como lágrimas do meu espírito que choravam perguntando sem resposta das razões que são regentes da insensatez dos homens.

Nenhum texto alternativo automático disponível.Lembro de ter visto naquelas estradas de terra a dor das vacas separadas de seus bezerros enquanto os homens usufruíam do leite deles, enquanto comercializavam sua carne e seus queijos. Vi o medo nos olhos dos porcos ao avistarem aqueles homens que me conduziam, como se conhecessem os demônios deles que de alguma maneira conviviam em outros homens, igualmente atormentados pelo mal. Nestes cursos de vida rural também vi galinhas procurando seus ovos, levados por outra classe de homens, iguais na tormenta que os acometiam. Vi cavalos amarrados sem água ao sol, vi cães magros e gatos melancólicos. Senti o cheiro dos javalis, abatidos por esporte. Talvez estivéssemos todos mortos, protagonizando um ensaio da vida no inferno. Ou quem sabe Deus tivesse nos deixado. Pior, talvez Deus estivesse presente, mas os homens ausentes Dele, se imbuindo em poder pessoal para se julgarem divinos, justificando assim esta dominação. Estes foram os eventos e reflexões que passaram por mim naqueles instantes que deram presságio à minha morte. Às vezes a gente não precisa desencarnar para morrer, para começar uma nova vida!

O homem que me deu água, deu fogo para aqueles que me batiam e abriu para eles com cortesia as portas das trevas que os aguardariam caso se aproximassem de mim de novo. Ele era um homem, mas tão parecido com os animais. Nele ainda estavam preservados os instintos, o faro. Eu confiei minha vida àquele homem. Minha morte. Meu renascimento.

Aguardei em um lugar seguro que o homem voltasse, desta vez com uma mulher, que também preservava o instinto na sua versão feminina, a intuição. Juntos me guiaram aos meus tropeços para o que chamavam de casa. Ao chegar, já em melhores condições físicas, embora totalmente comprometido, avistei aquele mesmo lugar que parei algumas horas antes. E meu espírito sorriu da proeza de conhecermos visceralmente nosso destino. Agora ali seria a minha casa também.

A imagem pode conter: 2 pessoas, pessoas sorrindoDaí em diante, a cada dia a minha saúde melhorava e eu sentia que me distanciava da terra dos mortos, pisando agora não de volta à terra dos vivos, mas pela primeira vez vivo em uma terra desconhecida para mim, onde homens e animais conviviam em harmonia.

Os homens voltaram e fizeram ameaças, mas este homem e esta mulher não estavam sozinhos. Outros homens e outras mulheres estavam com eles e na ação de um grupo, através da generosidade de um outro homem que opera os milagres de Deus na terra com o uso da sua profissão de advogado, a minha guarda definitiva ficou outorgada a estas pessoas – que fizeram festa, comemoraram, me cuidaram como nunca antes... Porque não me arrumaram para que estivesse com elas e as empoderasse. Nada disto. Pela primeira vez eu era exatamente como os outros. E ao mesmo tempo, eu próprio.

Um sentimento inebriante tomava conta de mim naqueles momentos a ponto de acreditar que o mundo é sim bom e que as pessoas são incríveis! Que tudo é parte do projeto de Deus que almeja acordar cada filho quando o coloca cara a cara com a opção de agir ou prostrar-se frente o que é certo. Certo não para mim, nem para você, certo para a vida. Para a vida continuar. E nesta perpetuação infinita, cada espécie evoluir, transicionar, se iluminar!

É para isto que estamos todos aqui. Sem distinções entre nós. Estas separações de castas, espécies e estirpes foram proclamadas por vocês, por egos desprovidos de sabedoria que precisavam da comparação para se sentirem superiores. E enquanto nos mantivermos em constante batalha e luta entre vocês e nós, nós e eles, outros e quem somos, estaremos separados da graça de Deus, algo que seria nosso legado nesta jornada que ao final finda em nós mesmos. No que de real e verdadeiro existe em cada um de nós. Neste espaço, nesta verdade, nos tocamos em plenitude a ponto de esquecermos das fronteiras entre nossos territórios e nos proclamarmos um só!

Que você saiba viver tua vida. E se necessário for, que saiba morrer tua vida. Para começar a vivê-la verdadeiramente.