Sunday, March 7, 2021

Lá Loba

 La Loba, a Mulher-Lobo


Existe uma velha que vive num lugar oculto de que todos sabem, mas que poucos já viram. Como nos contos de fadas da Europa oriental, ela parece esperar que cheguem até ali pessoas que se perderam, que estão vagueando ou à procura de algo.


Ela é circunspecta, quase sempre cabeluda e invariavelmente gorda, e demonstra especialmente querer evitar a maioria das pessoas. Ela sabe crocitar e cacarejar, apresentando geralmente mais sons animais do que humanos.


Dizem que ela vive entre os declives de granito decomposto no território dos índios tarahumara. Dizem que está enterrada na periferia de Phoenix perto de um poço. Dizem que foi vista viajando para o sul, para o Monte Alban3 num carro incendiado com a janela traseira arrancada. Dizem que fica parada na estrada perto de El Paso, que pega carona aleatoriamente com caminhoneiros até Morelia, México, ou que foi vista indo para a feira acima de Oaxaca, com galhos de lenha de estranhos formatos nas costas. Ela é conhecida por muitos nomes: La Huesera, a Mulher dos Ossos; La Trapera, a Trapeira; e La Loba, a Mulher-lobo.


O único trabalho de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e conserva especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo. Sua caverna é cheia dos ossos de todos os tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo. Dizem, porém, que sua especialidade reside nos lobos.


Ela se arrasta sorrateira e esquadrinha as montanhas e os arroyos, leitos secos de rios, à procura de ossos de lobos e, quando consegue reunir um esqueleto inteiro, quando o último osso está no lugar e a bela escultura branca da criatura está disposta à sua frente, ela senta junto ao fogo e pensa na canção que irá cantar.

Quando se decide, ela se levanta e aproxima-se da criatura, ergue seus braços sobre o esqueleto e começa a cantar. É aí que os ossos das costelas e das pernas do lobo começam a se forrar de carne, e que a criatura começa a se cobrir de pêlos. La Loba canta um pouco mais, e uma proporção maior da criatura ganha vida. Seu rabo forma uma curva para cima, forte e desgrenhado.


La Loba canta mais, e a criatura-lobo começa a respirar.


E La Loba ainda canta, com tanta intensidade que o chão do deserto estremece, e enquanto canta, o lobo abre os olhos, dá um salto e sai correndo pelo desfiladeiro.


Em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por atravessar um rio respingando água, quer pela incidência de um raio de sol ou de luar sobre seu flanco, o lobo de repente é transformado numa mulher que ri e corre livre na direção do horizonte.


Por isso, diz-se que, se você estiver perambulando pelo deserto, por volta do pôr-do-sol, e quem sabe esteja um pouco perdido, cansado, sem dúvida você tem sorte, porque La Loba pode simpatizar com você e lhe ensinar algo — algo da alma.


Mulheres Que Correm Com Os Lobos

Mitos e Histórias do Arquétipos da Mulher Selvagem

Clarissa Pinkola Estés

Editora Rocco

O Barba Azul

 O Barba-Azul


Existe uma mecha de barba que fica guardada no convento das freiras brancas nas montanhas distantes. Como chegou até o convento, ninguém sabe. Uns dizem que foram as freiras que enterraram o que sobrou do seu corpo, já que ninguém mais se dispunha a nele tocar. Desconhece-se o motivo pelo qual as freiras iriam guardar uma relíquia dessa natureza, mas é verdade. Uma amiga de uma amiga minha viu com seus próprios olhos. Ela diz que a barba é azul, da cor do índigo para ser exata. É tão azul quanto o gelo escuro no lago, tão azul quanto a sombra de um buraco à noite. Essa barba pertenceu um dia a alguém de quem se dizia ser um mágico fracassado, um homem gigantesco com uma queda pelas mulheres, um homem conhecido pelo nome de Barba-Azul.

Dizia-se que ele cortejava três irmãs ao mesmo tempo. As moças tinham, porém, pavor de sua barba com aquele estranho reflexo azul e, por isso, se escondiam quando ele chamava. Num esforço para convencê-las da sua cordialidade, ele as convidou para um passeio na floresta. Chegou conduzindo cavalos enfeitados com sinos e fitas cor-de-carmim. Acomodou as irmãs e a mãe nos cavalos, e partiram a meio-galope floresta adentro. Lá passaram um dia maravilhoso cavalgando, e seus cães corriam a seu lado e à sua frente. Mais tarde, pararam debaixo de uma árvore gigantesca, e o Barba-Azul as regalou com histórias e lhes serviu guloseimas.

"Bem, talvez esse Barba-Azul não seja um homem tão mau assim", começaram a pensar as irmãs.

Voltaram para casa tagarelando sobre como o dia havia sido interessante e como haviam se divertido. Mesmo assim, as suspeitas e temores das duas irmãs mais velhas voltaram, e elas juraram que não veriam o Barba-Azul de novo. A irmã mais nova, no entanto, achou que, se um homem podia ser tão encantador, talvez ele não fosse tão mau. Quanto mais ela falava consigo mesma, menos assustador ele lhe parecia, e sua barba também parecia ser menos azul.

Portanto, quando o Barba-Azul pediu sua mão em casamento, ela aceitou. Ela havia refletido muito sobre a sua proposta e concluído que ia se casar com um homem muito distinto. Foi assim que se casaram e, em seguida, partiram para seu castelo no bosque.

— Vou precisar viajar por algum tempo — disse ele um dia à mulher. — Convide sua família para vir aqui se quiser. Você pode cavalgar nos bosques, mandar os cozinheiros prepararem um banquete, pode fazer o que quiser, qualquer desejo que seu coração tenha. Para você ver, tome minhas chaves. Pode abrir toda e qualquer porta das despensas, dos cofres,  qualquer porta do castelo;  mas essa chavinha, a que tem no alto uns arabescos, você não deve usar.

— Está bem, vou fazer o que você pediu. Parece que está tudo certo. Portanto,

pode ir, meu querido, não se preocupe e volte logo. — E assim ele partiu, e ela ficou.

Suas irmãs vieram visitá-la e elas sentiam, como todo mundo, muita curiosidade a respeito das instruções do dono da casa quanto ao que deveria ser feito enquanto ele estivesse fora. A jovem esposa falou alegremente.

— Ele disse que podemos fazer o que quisermos e entrar em qualquer aposento que desejarmos, com exceção de um. Só que eu não sei qual é esse aposento. Só tenho uma chave e não sei que porta ela abre.

As irmãs resolveram fazer um jogo para ver que chave servia em que porta. O castelo tinha três andares, com cem portas em cada ala, e como havia muitas chaves no chaveiro, elas iam de porta em porta, divertindo-se imensamente ao abrir cada uma delas. Atrás de uma porta, havia uma despensa para mantimentos, atrás de outra, um depósito de dinheiro. Todos os tipos de bens estavam atrás das portas, e tudo parecia maravilhoso o tempo todo. Afinal, depois de verem todas aquelas maravilhas, elas acabaram chegando ao porão e, ao final do corredor, a uma parede fechada.

Ficaram intrigadas com a última chave, a que tinha o pequeno arabesco.

— Talvez essa chave não sirva para abrir nada. — Enquanto diziam isso, ouviram um ruído estranho — errrrrrrrr.  — Deram uma espiada na esquina do corredor e — que surpresa! — havia uma pequena porta que acabava de se fechar. Quando tentaram abri-la, ela estava trancada.

— Irmã, irmã, traga sua chave — gritou uma delas. — Sem dúvida é essa a porta para aquela chavinha misteriosa.

Sem pestanejar, uma das irmãs pôs a chave na fechadura e a girou. O trinco rangeu, a porta abriu-se, mas lá dentro estava tão escuro que nada se via.

— Irmã, irmã, traga uma vela. — Uma vela foi acesa e mantida no alto um pouco para dentro do aposento, e as três mulheres gritaram ao mesmo tempo, porque no quarto havia uma enorme poça de sangue; ossos humanos enegrecidos estavam jogados por toda a parte e crânios estavam empilhados nos cantos como pirâmides de maçãs.

Elas fecharam a porta com violência, arrancaram a chave da fechadura e se apoiaram umas nas outras arquejantes, com o peito arfando. Meu Deus! Meu Deus!

A esposa olhou para a chave e viu que ela estava manchada de sangue. Horrorizada, usou a saia para limpá-la, mas o sangue prevaleceu.

— Oh, não! — exclamou. Cada uma das irmãs apanhou a chave minúscula nas mãos e tentou fazer com que voltasse ao que era antes, mas o sangue não saía.

A esposa escondeu a chavinha no bolso e correu para a cozinha. Quando lá chegou, seu vestido branco estava manchado de vermelho do bolso até a bainha pois a chave vertia lentamente lágrimas de sangue vermelho-escuro.

— Rápido, rápido, dê-me um esfregão de crina — ordenou ela à cozinheira. Esfregou a chave com vigor, mas nada conseguia deter seu sangramento. Da chave minúscula transpirava uma gota após outra de sangue vermelho.

Ela levou a chave para fora, tirou cinzas do fogão a lenha, cobriu a chave de cinzas e esfregou mais. Colocou-a no calor do fogo para cauterizá-la. Pôs teia de aranha nela para estancar o fluxo, mas nada conseguia deter as lágrimas de sangue.

— Ai, o que vou fazer? — lamentou-se ela. — Já sei, vou guardar a chave. Vou colocá-la no guarda-roupa e fechar a porta. Isso é um pesadelo. Tudo vai dar certo. — E foi o que fez.

O marido chegou de volta exatamente na manhã do dia seguinte e entrou no castelo já procurando pela esposa.

— E então, como foram as coisas enquanto eu estive fora?

— Tudo correu bem, senhor.

— Como estão minhas despensas? — trovejou o marido.

— Muito bem, senhor.

— E como estão meus depósitos de dinheiro? — rosnou ele.

— Os depósitos de dinheiro também estão bem, senhor.

— Então, tudo está certo, esposa?

— É, tudo está certo.

— Bem — sussurrou ele —, então é melhor devolver minhas chaves. Com um relancear de olhos, ele percebeu a falta de uma chave.

— Onde está a menorzinha?

— Eu... eu a perdi. É, eu a perdi. Estava passeando a cavalo, o chaveiro caiu e eu devo ter perdido uma chave.

— O que você fez com ela, mulher?

— Não... não me lembro.

— Não minta para mim! Diga-me o que fez com aquela chave!

Ele tocou seu rosto como se fosse lhe fazer um carinho, mas em vez disso a segurou pêlos cabelos.

— Sua traidora! — rosnou, jogando-a ao chão. — Você entrou naquele quarto, não entrou?

Ele abriu o guarda-roupa com brutalidade e a pequena chave na prateleira de cima havia sangrado, manchando de vermelho todos os belos vestidos de seda que estavam pendurados.

— Chegou a sua vez, minha querida — berrou ele, arrastando-a pelo corredor e pelo porão adentro até pararem diante da terrível porta. O Barba-Azul apenas olhou para a porta com seus olhos enfurecidos, e ela se abriu para ele. Ali jaziam os esqueletos de todas as suas esposas anteriores.

— Vai ser agora!!! — rugiu ele, mas ela se agarrou ao batente da porta sem largar, implorando por clemência.

— Por favor, permita que eu me acalme e me prepare para a morte. Conceda-me quinze minutos antes de me tirar a vida para que eu possa me reconciliar com Deus.

— Está bem — rosnou ele. — Você tem seus quinze minutos, mas prepare-se.

A esposa correu escada acima até seus aposentos e determinou que suas irmãs fossem para as muradas do castelo. Ajoelhou-se para rezar, mas, em vez de rezar, gritou para as irmãs.

— Irmãs, irmãs, vocês estão vendo a chegada dos nossos irmãos?

— Não vemos nada, nada na planície nua. A cada instante ela gritava para as muradas.

— Irmãs, irmãs, estão vendo nossos irmãos chegando?

— Vemos um redemoinho, talvez um redemoinho de areia bem longe.

Enquanto isso, o Barba-Azul esbravejava para que sua esposa descesse até o porão para ser decapitada.

— Irmãs, irmãs! Estão vendo nossos irmãos chegando? — gritou ela mais uma vez.

O Barba-Azul berrou novamente pela esposa e veio subindo a escada de pedra com passos pesados.

— Estamos, estamos vendo nossos irmãos — exclamaram as irmãs. — Eles estão aqui e acabam de entrar no castelo.

O Barba-Azul vinha pelo corredor na direção dos aposentos da esposa.

— Vim apanhá-la — gritou ele. Suas passadas eram pesadas; as pedras no piso se soltavam; a areia da argamassa caía esfarinhada no chão.

No instante em que o Barba-Azul entrou nos aposentos com as mãos esticadas para agarrá-la, seus irmãos chegaram galopando pelo corredor do castelo ainda montados, entrando assim no quarto. Ali eles encurralaram o Barba-Azul fazendo com que saísse até a balaustrada. E ali mesmo, com suas espadas, avançaram contra ele, golpeando e cortando, fustigando e retalhando, até derrubá-lo ao chão, matando-o afinal e deixando para os abutres o que sobrou dele.


Mulheres Que Correm Com Os Lobos

Mitos e Histórias do Arquétipos da Mulher Selvagem

Clarissa Pinkola Estés

Editora Rocco

Tuesday, May 26, 2020

EBOOK Cartas aos que Amei


Aqui com alegria e entusiasmo damos notícias do lançamento do nosso ebook CARTAS AOS QUE AMEI - já disponível em plataforma digital para comercialização no link abaixo.


https://www.hotmart.com/product/ebook-cartas-aos-que-amei/S31752754U

Quero registrar aqui a gratidão dos mais de cem de nós pela arte de Alena Cei, revisão de Diogo Hernandes, diagramação de Douglas Kenji Watanabe e comercialização eletrônica por Rodolfo Pernambuco. Sem vocês eu teria sonhado contar estas histórias, sem jamais concretizar o livro. Sigam firmes no caminho do serviço, a vida de vcs é inspiração para tantos que anonimamente ganham força através de vosso exemplo.

Também agradeço Ale Luglio pelo prefácio e além. Gratidão por sempre estar perto de nós como uma rocha onde erguemos juntos o novo mundo.

Gratidão Alana Rox, Cheiro de Floresta, Flora Matsumori, Juliana Guitel, Kombicura, SPA Santai e Vegetalle Restaurante pelas receitas no fim do livro, incentivando transições ao veganismo na faceta do movimento no prato. E também apoio neste mesmo prato para que ele seja fortalecido no coração dos que já transicionaram.

Por último, não menos importante, agradeço ao Vitor pelas horas na madrugada em que ele genuinamente me motivava a escrever escutando as histórias todas e recordando emocionadamente biografias de vida que mudamos juntos com vcs. 

Sunday, May 3, 2020

Correio da Boa Notícia - Noticiário Santuário Vale da Rainha

Já há algum tempo temos notado nossa incapacidade de atualizarmos pessoas queridas com as notícias dos amados Mestres Animais do Santuário. Então surgiu a ideia de um Correio da Boa Notícia - porque mesmo que tenhamos desafios, ainda assim vivemos com vcs graça. Testemunhamos curas e despertares, solidariedade e compaixão. Consciência. Juntos estamos a serviço de um novo tempo urgente e precioso já aqui e agora.

Por orientação do querido Rodolfo gratidão - aqui divulgaremos nossos eventos e encontros, falaremos do cotidiano do Santuário e informaremos situações de saúde e resgate específicas. É nossa intenção que você possa nos acompanhar não somente por aqui, mas também neste propósito que é muito maior que o Santuário e nós mesmos. Pela tua companhia gratidão.

Especialmente neste momento de pandemia, nossas vivências e curso de ioga que grandemente auxiliam na subsistência do Santuário estão suspensas. Até que nossos novos livros sejam lançados, um infantil para colorir que traz em linguagem lúdica a história de alguns iluminados daqui pelo artista e amigo, autor do prefácio do nosso primeiro livro - Aos Pés dos Mestres - Márcio Araújo - https://www.instagram.com/marcioaraujoarte/ - e outro para adultos - Cartas aos que Amei -, até que sejam lançados, até que novas aulas de ioga sejam adaptadas para formato virtual, temos dependido exclusivamente da generosidade das pessoas. E somos gratos por esta experiência de não termos garantia das contas a receber e certeza das a pagar! Tudo é escola neste mundo professor.


Uma das ações que pedimos a gentileza da divulgação caso fale ao coração de vcs, é a Salgateria Solidária que o Restaurante Vegetalle organiza para o próximo sábado. Região de Campinas para retirada ou entrega! Lembramos que o restaurante é vegano por amor aos Mestres Animais e que servem almoço diariamente mesmo na Pandemia - seguindo à risca o protocolo de segurança. Além do sábado, recomendamos o estabelecimento, a comida. As pessoas: Fábio e Thaís, gratidão. Fer e Maysa, Rodolfo e Vivian, pelo apoio agradecemos também.

Amanhã 04 de maio teremos aqui um veterinário radiologista e cirurgião que além de tirar o gesso de Mestre Boi Shiva, também fará o procedimento de imobilização do pé de Mestre Cavalo Chico Xavier.  Daremos notícias ao vivo através dos Stories de nossas redes sociais. Também realizaremos exame em Mestre Inacinho para concluirmos se ele necessitará de fistulação por causa do problema gastro intestinal que coloca risco em sua vida.

Temos estado freneticamente trabalhando em processos de criação para nos reinventarmos neste momento tão desafiador. O momento atual forja nosso espírito para soluções e novos caminhos, jamais para desistência ou frustração, pois sabemos que o serviço deve continuar. E assim será feito.

Agradecemos todos os que têm colaborado com esta missão de resgate e conscientização, como duas asas que são compaixão e consciência. Somos gratos por criarmos uma nova realidade planetária.




Friday, December 6, 2019

Mais amor

Em semanas uma nova mudança de ciclo e para mim impossível acercar-me do meu aniversário sem ponderar sobre as rotas percorridas.

Lembrei de quando consegui enxergar Mestre Animal como vítima. E como ingenuamente acreditei que somente trabalhar esta mesma vítima mudaria a realidade macro do contexto, que só de fato muda na transformação do agressor. Então passei a ver o próprio algoz vitimizado por ele mesmo - já que colhemos o que plantamos.

Bastasse isto, no começo deste ano - depois de ter saído de um retiro de 44 dias em reclusão no ermitério do convento da Jetsunma aos pés do Himalaia e falado com ela na conclusão da expedição dentro de mim - eu vi a profunda dor nos olhos de um leproso. E tão óbvio quanto possa parecer, eu entendi que todos sofremos.

Antes porém, eu acostumava pensar que nós podemos pedir ajuda, mas não Mestres Animais. Então com o olhar mais atento enxerguei que sequer sabemos como pedir ajuda! Nem o quê pedir como ajuda. Se nos deparássemos com o gênio da lâmpada, bem possível que em vez de implorar pelo fim de nossos vícios, tantos de nós pediríamos para que nos fosse provido exatamente o que nos vicia e corrompe, aniquilando nossa possível evolução pelo amor e abrindo caminhos largos e longos para o aprendizado através da dor.

Todos sofremos, todos precisamos de ajuda.

Ainda assim, como ajudar? E qual a motivação da minha ajuda? Sentir-me melhor ou fazer o OUTRO sentir-se melhor. É curioso que até mesmo a senda da compaixão e do serviço pode ser maculada pelo ego quando ele furtivo se move pelo egoísmo em vez do altruísmo.

Ajudar o outro sem nos ajudarmos é impossível em um mundo de ação e reação, mas querer prestar auxílio para colhermos frutos pessoais em realidade nos anula benefícios. Destarte, que nenhuma ação beneficente seja adiada ou refreada. Pois ainda que nossa motivação seja egóica, ela favorece o o outro. E nós, enfim, nós um dia cresceremos para amparar sem que nosso amparo seja centrado em nossos orgulhosos umbigos.

Mas o que dizer dos que sequer querem ajudar? Daqueles que a dor do mundo é surda aos seus ouvidos - quem sabe porque cultivamos lugares secretos que ardem em feridas abertas, expostas quando sentimos dores dos demais, que por sua vez nos negamos aproximação. Porque quando nos aproximamos sentimos tudo que queremos esquecer que ainda dói. Todos que nos feriram e jamais foram perdoados. Os que deixamos para trás sem que os tirássemos de calabouços e porões em nossos corações.

Os agressores caminham entre nós. E verdade seja dita: Em nós. É imperativo maturidade para que nossa cura permita a cura do irmão através da mão estendida. Ao fim das contas, o mérito é sempre de quem se curou, então se algum, o de quem oferece ajuda é o de ter curado si próprio. Honestidade aplicada, muito é necessário crescer para nos curarmos. Por outro lado, certamente nos negarmos ao trabalho duro da missão não faz desabrochar rosas debaixo de nossos passos, apenas brotar espinhos. Que em tempo machucarão outros. E retornarão para nós como o mesmo sofrimento que causamos.

Se insistimos em nosso sonambulismo - que pouco acorda sem viver em vigília -, apenas amamos, salvamos e protegemos os que nada podem contra nós - como estes seres de infinita beleza que Mestres Animais humanos e não humanos são. Os seres dos elementos. E plantas! Mas não conseguiremos amar nossos irmãos humanos e embora possamos falar sobre a crueldade, inconsciência e ignorância deles sem nada fazer para ampará-los, na verdade falamos de nós. Bradamos sobre a falência de nosso coração para cicatrizar, acreditar, perdoar a amar. E à boca pequena falamos para o Universo inteiro que mesmo vendo tristeza no mundo, imploramos por sermos os primeiros a sermos salvos.

Agradeço cada ser em crinas e cabelos, cascos e pés, que incansavelmente e com humildade tem me mostrado e convencido que o caminho de cura do outro é o caminho de cura de nós mesmos. Para deixarmos de ser agressores. Finalmente, em especial agradeço Jetsunma Tenzin Palmo por mais do que pode ser dito. Sentir vc aqui - dentro de mim - me basta.

Que venha este novo giro solar e que eu possa ocupar este espaço sem envergonhar-me de mim ao final da jornada.

Tuesday, June 12, 2018

A Deus Mestra Amma

A imagem pode conter: 1 pessoa, cavalo e atividades ao ar livre

O fim do suplício de Mestra Cabra Amma havia sido anunciado! Por ser agora despesa, por haver colapsado sem mais produzir leite ou novos filhos, seria por fim assassinada para ser vendida como carne. Carne?... Que carne?! Lembro com horror daquela cena de Mestra Cabrinha tão magra, ossos à vista, ironicamente amaldiçoada pelo próprio amor que sentiu por seus filhos. Para uma mãe, ver seus paridos partindo antes dela é um crime contra a vida em si. Mais além, como em toda mulher, a amamentação um processo psicossomático. E o sofrimento a levava a produzir menos leite. Os filhos já distantes deste mundo, novas gravidezes. Mortes. Ciclos intermináveis. A dor de quem sofre profundo e calado, deprimido, por ter sabido que seus gritos de agonia não podem ser ouvidos. Você é capaz de escutá-los e aliviá-los agora? Em nossas geladeiras e panelas gritam inocentes.

Quando chegou ao Santuário imediatamente começou a esguichar leite pelas mamas! E nós inocentemente pensamos que ela estava anunciando sua cura. Que jamais chegou. No final, ela já não andava de tanta sensibilidade causada pela mastite. A mastectomia parecia ser a esperança para uma vida condenada, mesmo que o Vitor e eu tantas vezes saudavelmente discutíamos sobre deixá-la desencarnar aqui, no colo da Rainha que a havia acolhido. No Santuário tinha um comportamento atípico, diferente dos seus companheiros. Subia até o topo da montanha e passava as noites bem na divisa da propriedade do Santuário Vale da Rainha na terra com o Santuário Vale do Rei no céu. Talvez ali ela pudesse falar com seus filhos, pedir perdão pela fertilidade que os matava a cada gestação. Não raras vezes Vitor Favano ia á noite buscá-la e ela a contragosto o acompanhava. Ele falava em proteção. Ela em liberdade. Mestre Bode Hipócrates a acompanhava e se apaixonou por ela. Em sua primeira temporada no hospital nosso professor ficou tão irritado que refugava nossos carinhos com agressividade, claramente perguntando do paradeiro da amada. Quem tem coração sente. Quem já não sente que não morra do coração! Mestra Amma tinha outro comportamento diferenciado: era incrivelmente amorosa. Sempre nos abraçava, batendo seu peito contra o nosso quando nos agachávamos e vibrando nosso cardíaco com palavras de esperança que só quem já sofreu e sobreviveu consegue falar com propriedade. Ela empedrou seu leite de tal forma que ele se tornou seu próprio câncer. Dentro dela aquele leite a corroía e na cirurgia constatamos o que havia se tornado dentro dela: um tecido vivo que a matava pele para dentro, um que a comia. Enquanto tantos aqui pele para fora pensavam somente que se já não podiam comer seu queijo, que pudessem comer sua carne. Nesta morbidez sua vida foi se esvaindo, mas jamais seu amor. Houve ocasião, no nascimento de Mestre Jumentinho Erê Gopala, em que ela cedeu seu peito - aos gritos de dor, sendo ama de leite dele. Uma amiga teve que segurá-la enquanto outra - Cleide também amada - dava o papá em sua boca, Vitor segurando. Revezamento. Para que suportasse a ordenha - que salvaria o recém nascido de outra mãe que ficou impossibilitada de amamentar e desesperada se mantinha como acompanhante de tudo que ali ocorria.
A amiga Larissa Putz ficou desolada pela circunstância - mais ainda do ponto de vista de sermos veganas. Mestra Amma percebeu que se afligia e entre todos que estávamos reunidos, ela foi em direção à nossa amiga e do topo de sua dor a acolhia, sentindo o desconforto que acometia o coração da Lari, como se sua própria agonia não fosse importante frente a do outro! Todos escutamos dela: "Eu te entendo, eu te perdoo". E choramos juntos emocionados pela inspiração de um serviço que nós mesmos ainda aspiramos realizar - sem os mínimos traços de grandeza que Mestra Amma colocou padrão. Mestre Erê Gopala sobreviveu! Mestra Amma salvou a vida dele. E a nossa de culpa e remorso que sentiríamos se a criança não tivesse resistido. Mestra Amma nos salvou a todos. Seu nome foi escolhido para homenagear a Santa do Abraço, Amma, ainda encarnada e grande guru espiritual da India. Mãe Espiritual generosa com filhos em todo planeta. Nossa Mestra Amma entendeu sua missão e na graça de sua homenageada cumpriu seu propósito, nos provocando para despertares - que podemos sim negar, abusando do nosso livre arbítrio, agora que conhecemos a verdade. Aqui queria registrar a surpresa de perdê-la, mas já era claro para nós que ela a cada oportunidade se despedia, na sabedoria de quem tocou sua mortalidade e entendeu pela doença que este instante pode ser o último. Para todos nós. :O A vida é urgente. E nós, nós a protelamos. É bom ter pressa, pois nem todos de nós ao morrermos constataremos termos vivido.

Nossa professora do amor desencarnou depois da cirurgia de mastectomia, tendo recebido a visita de uma amiga e servidora do Mistério - Ana Silvia Gonçalves - que certamente auxiliou na passagem. Comemoramos prematuramente o êxito da intervenção. Mestra Amma só levantou para mostrar seu olhar de amor para cada bicho gente, para nos dizer que a morte nos encontrará a todos. E que se tivermos vivido na inteireza que ela viveu, nos entregaremos aos seus misteriosos encantos com serenidade, enquanto nos despedimos das dores deste invólucro de carne e ossos. Que cada um viva de maneira a não querer postergar o fim que já hoje se prenuncia através dos nossos hábitos e vícios. Escolhemos como morremos. E além de inconscientemente fazermos escolhas para nós, brincando com o poder superior, temos feito a outros - que se vão, como ela, precocemente.
Mestra Amma é uma das incontáveis mães escravizadas e torturadas pela pecuária leiteira, aquela que financiamos ao consumirmos leite, queijo, iogurte e todos estes produtos que por não vermos a vítima, pensamos serem até saudáveis para alguém! Mas de verdade, nem para eles nem para nós. Divaguemos juntos: quando um bebê no peito enfrenta qualquer desequilíbrio o pediatra recorre aos cuidados da mãe para curar o rebento, que o alimenta. E curando a mãe, cura o filho. Agora, que ironia, nós adoecemos as mães, consumimos leite delas e não queremos o mesmo ônus que oferecemos. O de adoecer gerações. Nosso despertar marca um amanhecer consciencial que urge em benefício de todos os seres. Lá do Santuário Vale do Rei no céu Mestra Amma por fim amamenta seus filhos tirados de seu peito pela cobiça de nossa espécie, uma tão bruta que ignora vidas por dinheiro e mascarando mercenários em marketing repleto de apelos pelo consumo do que, agora claramente exposto, mata mãe, filho. E ladrão! Todos estamos adoecendo. Não é a Amazônia que precisa ser salva, nem mestres animais! Eles simplesmente precisam ser deixados em paz. Nós carecemos sermos salvos. Do pior de nós.
Agradecemos por quem consegue ver propósito na vida de Mestra Amma, por quem honra o desencarne dela com consciência gratidão. A todos que sentirem colaborar com uma despesa de aproximadamente R$ 1.500,00 agradecemos com humildade. Por quem se comove a ponto de mudar hábitos de consumo, Mestra Amma agora no Santuário Vale do Rei no céu e cada um no Santuário Vale da Rainha na terra festejamos a vida dela não ter passado em vão. Rezamos que a nossa tampouco passe e operemos mudanças de vida imperativas para que nosso espírito ao adentrar o Mistério não se sinta envergonhado por caminhar com grilhões, mas altivo caminhe livre em agradecimento pela oportunidade de evolução. - Caixa Econômica Federal AG 1470 - OP 013 - CP 00026610-9 - CPF 116.669.798-30 - Vitorino Favano Neto - Banco Santander 33 - AG 0214 - CC 01025281-4 - CPF 103.129.428-77 - Patricia Varela Favano - Paypal: ticiavarela@gmail.com

Thursday, August 24, 2017

Ao Mestre Pequeno Príncipe com Amor


"Quando olhares o céu à noite eu estarei habitante uma estrela, e de lá estarei rindo; então será, para ti, como se todas as estrelas rissem! Dessa forma, tu, e somente tu, terás estrelas que sabem rir. E quando estiveres consolado (a gente sempre se consola), tu ficarás contente por teres me conhecido. Tu serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E às vezes abrirás tua janela apenas pelo simples prazer... E teus amigos ficarão espantados de ver-te rir olhando o céu. Tu explicarás então: “Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!” E eles te julgarão louco. Será como se eu lhe houvesse dado, em vez de estrelas, montes de pequenos guizos que sabem rir."  O Pequeno Príncipe

Hoje é o sétimo dia da passagem de um iluminado. E detalhes da vida dele urgem em mim serem contados, porque se cada um que escuta não diz o que ouviu, como os que ainda não aprenderam a escutar saberão destas verdades? É importante servimos este propósito, cada um de nós. O amor não pode permanecer só nos nossos quintais, deve estourar nossas cercas. Ir além dos nossos muros. Através de nossos corações.

Além dos acontecimentos que orbitam em torno de um resgate, existe também algo subliminar, de importância elevada - tanto quanto a vida dos que nos são caros. O sublime é o que tentamos registrar aqui, nestas breves linhas, usando limitadas palavras que diminuem o que sentimos, mas ainda são capazes de incitar poemas. Cada resgate de um deles é também um nosso, pois somos provocados a penetrar e transitar em nós mesmos, nos lugares sombrios e iluminados que o outro como espelho nos conduz à visão.

Mestre Pequeno Príncipe chegou até nós como um bicho bode com deficiência ortopédica que pensamos, no pior dos casos, poderia viver conosco em cadeiras de rodas - modelo cross e com banco ejetável, paraquedas! Tudo pensando não só nele, mas nas brincadeiras e alegrias que teríamos todos juntos - Mestre Bode Hipócrates incluído. E ríamos felizes, até ingênuos, sem saber que o destino nos guardava outros planos e acontecimentos.

Como é a história de todo menino filho de uma escrava de leite, Mestre Bodinho Pequeno Príncipe seria assassinado - como foram seus irmãos. Mas a deficiência o salvou. E quem o salvou? Alguém que despertou. Ou que ele despertou precisamente colocado. Mestres do amanhecer de novos dias.

Este bicho gente, que até certo ponto do caminho não detinha opinião sobre os "negócios" da família - ainda que tímidos e até artesanais, como as pequenas produções são. O mais doído é que nestas menores escalas da indústria do leite instalada a contragosto na mama das exploradas, é que existe amor, fragmentos dele. Amor que dói. Porque aprisiona o outro no compromisso de fazer quem é servido feliz, mesmo que este não veja se quem o serve é feliz.

Então os amados comiam nas mãos da família que os criava. Demonstravam amor. Confiavam. E um dia qualquer, aquelas mesmas mãos separavam famílias, mães e filhos, roubavam leite. Impactavam o emocional e físico da matriarca a tal ponto que futuras gravidezes seriam comprometidas - já que em todo bicho mulher, de qualquer espécie, a mãe cede cálcio de seus próprios ossos se preciso for. E eventualmente, se não tem nem na alimentação nem no corpo o que busca, gera filhos deficientes. O estresse também as acomete grandemente. A relação entre mãe e filho é pessoal e intransferível - para mamíferos? Não. Incrível, mas a ciência estudou as árvores e notou nelas próprias esta relação. O filhote se alimenta através das raízes da mãe! E nós aqui pensando que só nossa mãe é a melhor do mundo! Tudo que vive tem mãe. É concebido. Por isto é Mãe Terra, porque tudo aqui vive a partir da Mãe. Que é força cósmica criadora. Maha Shakti.

O ponto é que a situação comum na indústria do leite segue em voga - a degeneração do corpo da mãe por fatores variados. Que ninguém realmente se importa a ponto de mudar a situação - pois os facilitadores dela teriam que abrir mão dos benefícios, "produtos" que recebem, mesmo que para usufruir deles sejam cruéis justamente com quem os provê. Isto não quer dizer que não devotem dó a eles. Devotam. Muita. Só não compaixão. Na mentalidade de uma vasta maioria de encarnados bicho gente, a informação não surte efeito. Tamanha a insensibilidade que alcançamos. Pensar tornou-se mais importante que o sentir. Pensar grande, competir, gerar lucros. Com o coração ausente, vítimas presentes.

Ainda assim este coração transformado em pedra, sangra quando consegue algum alento de vida. E na dor brada socorro junto aos sofredores, como se nós mesmos fôssemos um deles. Talvez porque sejamos. Quiçá porque em algum lugar furtivo em nós se escondam dores que necessitam ser vociferadas, quem sabe ao vermos os agredidos nos lembremos de nossos agressores - e do sofrimento que percorremos por não tê-los amado incondicionalmente. Então lutamos por aqueles que sofrem, sem sabermos que tantas vezes, lutamos por nós mesmos. Porque aliviar a dor deles, alivia a nossa própria. Força nossas curas. Entrevê nós mesmos. Alguns de nós conseguem salvar só ao outro, iluminadas grandes almas que por vezes descem ao mundo. A maior parte de nós se salva através do outro. Benditas são todas as nossas relações. Inclusive a que temos com bicho animal. A que bicho animal tem conosco os salva na carne. A que temos com eles, salva a nós no espírito.

Então não saberia dizer ao certo quem salvou quem, mas o fato é que Mestre Pequeno Príncipe tinha uma rosa! E as rosas, já disse o Príncipe, eram contraditórias. Mas porque dispendeu tanto tempo com ela, tornou-a especial. Assim nos deixou Saint Exupery.

O nome do botão bicho gente que desabrochou em flor será Rosa nesta história, que é a ativista que o salvou. Ou que ele salvou como dissemos. Talvez por amor tenham se salvado mutuamente, pois nossas missões não se realizam só entre bicho gente, mas em comunhão com toda criação. Rosa era controversa como todos somos, porque sentimos o mal estar do outro, mas nem sempre agimos por ele. Nosso Pequeno Príncipe salvou Rosa da inconsciência. E em troca, Rosa levou nosso Pequeno Príncipe ao trânsito de outro planeta. Visivelmente não era daqui. Nenhum de nós é. Somos todos forasteiros. Alienígenas! Esta não é nossa casa. Aqui é breve travessia.

"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas." 
O Pequeno Príncipe

Rosa o tirou de sua mãe e o criou na mamadeira, como se ela mesma fosse a mãe do nosso Mestre Pequeno Príncipe. A mãe de Rosa não sabia do amor deles. Precisamente isto. Não a mãe do nosso iluminado, mas a mãe dela! Sim. A mãe de Rosa criava mestres caprinos. E nós não estamos aqui para julgar ninguém, só para contar histórias de amor e de despertares.

Ocorre que Rosa descobriu um amor até então estrangeiro para ela naquela magnitude. O amor por bicho animal. Este amor conduziu a cuidados inimagináveis por um ano inteiro - que incluíam não mais de três horas consecutivas de sono para levantá-lo ou deitá-lo. Cuidados que não contavam com os recursos médicos necessários, nem com condições apropriadas. Suas perninhas que no começo eram tortinhas começavam a calcificar e os danos, inimagináveis ali, seriam irreversíveis.

Alguém poderia dizer que se ela o tivesse levado antes o teria salvo. Mas quem poderia dizer que sem seu amor ele teria sobrevivido? Ninguém sobreviveu. O Mestre Bodinho que conhecemos já não era aquele de um ano. E a Rosa tampouco perseverou na sua identidade... Rosa conversou com sua mãe para deixar a exploração daqueles seres, se engajou no veganismo e alcançou um coração que muitos de nós só conhecerão através de lendas contadas por seres divinais em abduções estelares! Rosa e Mestre Pequeno Príncipe se salvaram mutuamente.

Ainda assim houve tempo em que as necessidades do corpo físico dele foram superiores ao alimento emocional que recebia, ao espiritual que dava propiciando despertares. E não havia entorno para as demandas novas que se apresentavam. Nem recursos. Ela então, com dor, pediu ajuda para que alguém o acolhesse. Aqui o amor supremo, o que mesmo que não estejamos no caminho de quem amamos, o indicamos para eles - porque sabemos que estarão melhores ali que conosco. Amor não pode aprisionar. Ou não seria amor. Amor liberta!... Mas quem acolheria um deficiente? Ambos conheceram rejeição. Nenhum deixou de ser amado.

Antes de o recebermos no Santuário, planejamos o encaminhamento dele no hospital veterinário da Universidade de Guarulhos, pensando em uma cirurgia ortopédica - ao passo que paralelamente estávamos em busca de rodinhas para seus sagrados pés, que tão brevemente tocaram o chão de nossa Mãe.

Logo na primeira noite internado o iluminado se debateu tão fortemente que se machucou. Seu comportamento do jeito que o conhecíamos por narração era ficção. Ali em sua residência temporária sequer conseguia ficar em pé. Não comia sozinho. Claramente entrou em depressão. Tristeza profunda. Assim é o amor entre os que pensam se separar. Mais tarde entenderiam que jamais poderão estar distantes porque amar costura o amado no amante a ponto de serem o mesmo tecido.

Os exames que se prolongavam à medida que seu quadro era detalhado em minúcia provocavam mais estresse e tristeza no abençoado. E os resultados eram conclusivos além da seara ortopédica. Irradiavam diagnósticos no campo neurológico. Indicavam falência gradual dos órgãos a curto prazo. Partiam nosso coração que já vinha sensível de outros que tentamos acolher no Vale da Rainha, mas que foram encaminhados ao Vale do Rei.

No processo dele recebemos o pedido de acolhimento de uma Mestra Cabra - e com empolgação comentei com o Vitor sobre a chance de receber uma vida nova já resgatada e saudável no Santuário. Ledo engano. Às vésperas da intervenção cirúrgica de Mestre Pequeno Príncipe a abençoada teve hemorragia interna! Isto não foi publicado na ocasião, pois a dor nos testava a lucidez a ponto de mantê-la somente conosco - com o intento de não propagar o sofrimento daqueles dias além do que era possível suportar ser dito, ser ouvido. Tempos de luta.

Paralelo a isto, nosso iluminado sucumbia no próprio diagnóstico. E nós mesmos sucumbíamos em nossas sombras escuras que sugerem impotência - na tristeza dos que não têm nome nem atendimento, dos que partem anônimos e desconhecidos. Sem colo, sem rezo. Dos que sequer tomam o leite que foi feito para eles. Ou que passam tempo com suas mães. A dor das mães que repetidamente vivem a separação de seus filhos. E a dos filhos que são órfãos de mães vivas!

Dentro de nós a faca afiada da cobrança que cada um faz consigo sobre os milagres de Deus que poderia ter operado, dos feitos dos super heróis dos contos! Das coisas que se sonha realizar, mas que se refreiam neste mundo por as termos bloqueado muito antes de seu nascimento, ainda na gestação. Fazemos isto quando tomamos leite, quando comemos queijo por exemplo. Nós impedimos finais felizes. Abortamos o filho de outros. Mas depois de terem nascido. Nós os matamos. Nos bastidores da produção histórias de horror que jamais seriam contadas - se seres como nosso Mestre Pequeno Príncipe não tomasse o tempo para deixarem seus planetas e brevemente nos visitarem.

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas
Mestre Pequeno Príncipe viveu seus últimos dias cuidado e zelado, rezado e amado. Como foi toda sua vida. Mas ali existia a promessa de uma vida nova. Que se cumpriu. Não como nós havíamos pensado, mas como a vida em si pensou. Nós todos sabemos que a vida não se opõe à morte, nem ao nascimento. A vida segue depois do nascimento, como segue depois da morte.

A vida que segue aqui já não é a mesma. A breve passagem dele em nossas vidas ditou muitas reflexões - uma delas sendo como estamos exatamente no lugar onde devemos estar. Se Rosa estivesse pela vida fazendo o que quer que fosse, em outra cidade por exemplo, não teria Mestre Pequeno Príncipe contado sua história. Nem nos transformado através do impacto das reflexões que nos deixou. Parece que cada um cumpre um propósito - sem imaginar que isto seja um privilégio para nossa espécie, tão iludida em ser imagem e semelhança, apegada a formas, sem considerar que somos todos iguais em espírito! Embora não estejamos aptos a compreender o propósito, aqui no Santuário, somos reverentes dele. Pois é evidente que os desdobramentos são tecidos cuidadosamente, indicando ordem no caos.

Esta é a fé que nos move de um resgate ao outro, sem jamais sabermos o fim da história. Mas sabendo que ela contada poderá mudar outras vidas, através das mudanças que permitimos em nós. Como a Rosa mudou. Como nós mudamos. Porque se a gente sente a dor de quem amamos, a gente também morre a morte deles. Renascemos no mesmo corpo, mas com outro espírito. E assim permanece em nós quem já entre outros está. Somos não somente nós mesmos, mas quem passou por nós.

Embora tenhamos que lidar com nossas frustrações egóicas que queriam que ele sobrevivesse para que pudéssemos conviver com ele, acreditamos que o melhor para todos aconteceu. Inclusive para ele. É hipotético dizer que conhecíamos suas dificuldades por simplesmente vê-lo. E é fato para nós que cada um recebe misericórdia divina. Por vezes isto significa viver aqui. Por outras viver acolá. Viver se vive sempre.

Seus cascos e chifres são brilho das estrelas em outras dimensões. Parecem existir, mas já se foram. São lembranças. Como estes cabelos nossos um dia serão. E quando estas formas se dissiparem como o vento sopra os grãos de areia ao infinito, nos reconheceremos nus debaixo destas roupas que chamamos de corpos. Realizaremos que um mesmo sopro rege todo o Universo - como é água o que constitui a onda. Como é água o que constitui o mar.

Talvez então nos abraçaremos, com braços de luz em espectros brilhantes que nos manifestaremos, agradecendo pela oportunidade de despertar que nossa presença mutuamente provocou em nós. Mestre Pequeno Príncipe incluído. E nos outros tantos que como nós começam a despertar por todas as partes.

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e pessoas sentadas
Um dia eu peregrinava na Tailândia, em uma cidade ao norte, rústica e auspiciosa. Na ocasião aprendia os Vedas com um monge que havia vivido retirado com seu mestre 30 anos na India. Tudo compunha um cenário místico e devocional que eu reverenciava enormemente. Ao final destes estudos agradecia o professor por devotar seu tempo a me ensinar. Ele sempre sorria e calava. Um dia, depois do meu agradecimento, ele me disse que honramos o professor quando aprendemos a lição. Informação não é aprendizado. Conhecimento é revolução. Transformação. Assim permanece o professor, através do ensinamento. Que atravessa a eternidade. E vive em gratidão.

Mestre Pequeno Príncipe não passa em vão. Ele é a história dos invisíveis que escapam rótulos e sequer estão em letrinhas pequeninas. Aqui revelamos o que está dentro dos potes de laticínios e leite. Vidas. Vidas abreviadas, despedidas precoces. Mortes prematuras.

Seres como nosso Mestre já expiaram demais, inclusive facilitando curas para os que os amaram. Como bicho gato morre com a doença que o tutor se curou! Mestre Pequeno Príncipe curou a Rosa do sono. Que tenta acordar sua mãe. E todos nós tocados por esta história também podemos despertar. E despertar outros. Mas sem a pretensão de fazê-lo. Como alguém que solenemente conta uma história. Uma história de amor! E por encantamento deixa sobre quem a escuta a mágica sedutora do próprio sentimento - que conduz no Mistério almas da escuridão à luz!

Gratidão por nos elevar, Mestre Pequeno Príncipe. Perdão por não termos feito o suficiente. Nós te amamos para sempre - em cada estrela que ri. E nos alegra por termos conhecido você.

"Eis o meu segredo, é muito simples: só se vê bem com o coração." 
O Pequeno Príncipe